quarta-feira, 30 de julho de 2008

Meus olhos tiram fotos (Dani)

Eu não tenho fotos da Bolívia. Mas isso em si já é um fato muito relevante. Eu não tenho fotos porque em nenhum lugar onde eu dormi na Bolivia tinha LUZ. Eu poderia ter comprado pilhas, mas eu tava voltando pra casa, ainda tinha que dar um jeito de chegar viva ao Brasil. Chegar em Corumbá significava ter meu cartão do banco de volta, que loucura. Coisas que você precisa fazer pra dizer: isso eu nunca mais faço.
Mas lá estava eu, atravessando os Andes naqueles ônibus velhos que quebram na beira da estrada. E a estrada em questão era os Andes. Vocês tem idéia do quão alto é aquilo??? Tem idéia do que é estar num estrada que faz curvas de 180º e NÃO tem nenhum tipo de proteção? Tem noção do que é a única pessoa que está com você (brigada, te amo) dormir e você ficar sozinho esperando com toda sua fé que o motorista saiba consertar seu ônibus? Cara, não é a Dutra. São os ANDES (desculpa o uso de muitas maiúsculas, mas não consigo não me empolgar).
A gente já tinha estado no Paraguai com suas pessoas com cara de bravas, na belezura das cataratas do Iguaçu, na Argentina que nos recebeu muito bem, no Chile com seu deserto de sal e seu oceano Pacífico num dia de sol e Caetano Veloso no ouvido.
Mas estar na Bolívia, isso sim é um tapa na cara. Por favor, uma vez na vida, atravessem o Andes de ônibus, ou de carro. E não durmam no ônibus (hehe, te amo de novo!). Eu atravessei duas vezes, e nas duas vi o por do sol... É surreal. Eu entrei na Bolívia assim...
E é lindo. A Bolívia dói de tão linda. A beleza que a gente está acostumado, a beleza de ter paisagens lindas, de ter sempre pra onde olhar, tudo é bonito, todas as montanhas são mágicas... Mas a melhor beleza da Bolívia é o tapa na cara que ela te dá. A gente já não tinha mais grana, a gente tava quase correndo pra voltar pra casa e pro feijão da vovó. Mas a gente tava lá, e qualquer lugar é lugar e qualquer hora é hora pra tomar um tapa na cara.
Todo ônibus tem paradas. E nelas você compra sua Coca-Cola, compra seu x-salada e sua bolachinha recheada. Certo? Não se você é um boliviano que não tem grana pra nada. Eles tem uma família com muitos filhos e pouco dinheiro. E aí compram várias marmitas com arroz e pollo (frango), porque é mais barato. E vão distribuindo a comida pras crianças ai longo da viagem... Fria, mas que alimenta.
Eu poderia ter ido pra La Paz. Mas eu fui parar em Cochabamba. E as estradas de terra, as pessoas esperando ônibus no meio daquela poeira... Eu não tinha cabeça nessas horas pra ir procurar pilha. Eu queria sugar aquilo, eu queria absorver tudo aquilo, eu queria olhar MUITO pra nunca mais esquecer. Como diz aquela música do John Mayer, eu não vou por fotos pra que você tenha que ir até lá e veja tudo aquilo.
As mulheres reunidas com aqueles ponchos imensos e coloridos, levando as crianças nas costas. Elas se reuniam e olhavam pra mim com uma cara tão estranha. Estar acompanhada de um homem fez com que eu me sentisse traindo uma espécie de movimento feminino não declarado. Os homens com cara de pai de família, a responsabilidade pela vida de outras pessoas estampada na cara deles. Não esse tanto faz que a gente ve muitas vezes por aí.
E aí você quer olhar pro seu umbigo. Cadê seu umbigo? Ficou lá na primeira curva dos Andes. Tá muito longe pra ir buscar. Eu preciso é de lágrimas e de papel suficiente pra escrever tudo o que eu sinto, pra desenhar, pintar, fotografar. Uma pena estar sem máquina, uma pena. Eu precisava de tudo isso, mas não precisava do meu umbigo.
Aquilo sim é ser invisível, aquilo sim é sofrimento. Eu não consegui voltar pra São Paulo e deixar de ver a Bolívia.

4 comentários:

pedro botton disse...

texto bacana dani, bonito. lembrou-me a sensação de acordar no ônibus e as estrelas estarem enconstando no chão, ou melhor no pé do morro. pobreza que se faz beleza queima o negativo da memória, que nunca se perde e sempre se revelam mais bonitas.

... disse...

Chu, sem muito comentários, mto foda! Acho q dada as devidas proporções eu me senti bastante assim no lance do teto!
Muito foda!

Deh disse...

Nossa, q legal esse texto. É bem triste...justamente por ser taõ real. =/

Raquel Gomes disse...

Dani... mais uma vez você me deixa sem palavras.... Depois você não sabe porque eu digo que você é a única pessoa que eu conheço que sabe viver e ver a vida do jeito certo....