terça-feira, 27 de julho de 2010

Pra tirar do peito (Lígia)

Ontem acordei muito feliz, apesar de tudo! O fim de semana foi intenso, com muitos sentimentos e pensamentos misturados! Não saber o que se deve sentir, o que se deve pensar e como se deve agir! É muito mais fácil agora perceber tudo, mas na hora, no cansaço, no sufoco, dentro daquele terreno de 5x5m que sugava a energia, foi difícil pensar claramente! Realmente as famílias que mais precisam são as mais difíceis de ajudar. Uma das coisas mais fodas do teto é a relação e o elo que se cria entre a família e a equipe, isso é o que faz tudo ter sentido, é a razão de tanto suor, de tanta força de tanta energia, de tanta felicidade e de tanto amor.
É você, em 2 ou 3 ou 5 dias se identificar com pessoas que no seu dia-a-dia passam despercebidas, é você querer muito que elas tenham de verdade uma chance, que elas consigam viver melhor, com um pouco mais de dignidade, é devolver a auto estima para aquelas pessoas tão sofridas. E o discurso do Mau no envio do sábado só reforçou isso! Como nós precisamos olhar pras pessoas e simplesmente enxergar o humano que está lá, o nosso semelhante, independente do sistema, ver a pessoa, a essência humana que ali existe, e compartilhar amor com aquela pessoa. Eu saí da escola com a maior certeza do mundo no trabalho do teto! E quando eu entrei naquele terreno, com pilotis tão difíceis por causa da água que teimava em aparecer, eu simplesmente não consegui manter essa força, esse amor. O cheiro de álcool, as frases sem sentido, e ele não conseguir lembrar de jeito nenhum o nome dos voluntários da equipe deixavam tudo mais escuro. A equipe tava cansada, alguns tinham problemas reais que dificultavam ainda mais a relação com a família, tava todo mundo abalado emocionalmente. E mais do que isso, era uma coisa de energia mesmo, você entrava ali e alguma coisa te colocava pra baixo, na hora! Era difícil trabalhar, era difícil manter a alegria, a calma, era difícil respirar! E como aquela era a equipe mais atrasada das casas que eu tava tomando conta eu fiquei lá dentro quase o tempo todo.
E aquilo foi me consumindo, consumindo e era muito difícil! Fiquei com dúvidas do trabalho do teto, se porque tínhamos que construir 100 casas nós tínhamos designado sem cuidado, com pressa, com pressão! Nunca eu tinha me sentido assim com uma família numa construção, nunca! E uma coisa que eu percebi muito foi que eu só tinha construído 1 casa para uma família que tivesse um homem, todas as outras foram para mulheres, batalhadoras, sozinhas, com filhos pra cuidar, Cidora, Maria, Dona Hilda e Dona Edileuza, mulheres incríveis, mulheres fortes. Só tinha construído para o Patrício e pra Marines, só que o Patrício tem 26 anos e a Marines 18, eles podiam ser meus amigos, foi muito mais fácil de me identificar com eles, sem contar a força absurda do Patrício, a garra, a vontade, tudo que me fez admirar tanto aquele homem.
E de repente vem o Mineiro, um homem de mais de 40 anos e alcoólatra, e a Cibele com 40, muito submissa a ele. E eu percebi que talvez eu tenha dificuldade de lidar com essa coisa do homem autoritário, grosso, e o jeito que eu tava conseguindo lidar com aquilo foi batendo de frente, mandando, "colocando o pau na mesa", porque eu não consegui contornar ele de outra maneira, e eu percebi que eu fui excluindo ele da construção da própria casa. Foi uma dificuldade minha, que pensando agora faz muito sentido. Eu tenho muita dificuldade de lidar com essa relação que ainda existe no mundo, do homem ser O homem, e a mulher simplesmente não ter forças pra se separar dele. Como a Cibele consegue aguentar? Talvez ela não tenha nada, talvez esse seja o único jeito de sobreviver. Sozinha ela não conseguiria, então eles se juntam pra tentar viver mais um dia. É muito foda aceitar que isso existe!
Conversando com a Chu no gtalk e com a Dani Marques no almoço do trabalho eu tentei buscar uma opinião externa pra me ajudar a esclarecer o que eu deveria sentir com relação a essa família. E eu cheguei à conclusão de que não, não vão existir só famílias incríveis e pessoas maravilhosas no nosso caminho, como em qualquer lugar do mundo, e que essas famílias, mais desestruturadas, mais complicadas são as que mais precisam da nossa ajuda, do nosso amor, da nossa energia, da nossa força, da nossa atenção e do nosso carinho. São as que mais precisam da auto estima de volta, da possibilidade de esperança de novo, daquele brilho que a casa pode trazer de volta. E por mais difícil que seja é a hora de sermos o elo mais forte, de conseguir passar ainda mais amor e mais esperança! São pra essas famílias que a casa pode ser a maior mudança, que pode devolver alguma coisa perdida há tanto tempo! Na hora é difícil, são tantos sentimentos misturados, mas agora eu percebo o aprendizado maravilhoso que eu vivi nesse final de semana, e como eu tenho que me fortalecer ainda mais para poder ajudar quem mais precisa. Não é porque o cara é alcoólatra que ele não merece um lugar digno pra viver. Não dá pra julgar uma pessoa que trabalha sei lá eu quantas horas por dia, pega milhões de condução todo dia e volta para uma casa tão ruim, com goteira, com umidade, pequena, sem saneamento básico e sem tantas outras coisas necessárias para uma casa ser chamada de lar.
Eu quero muito voltar pro Santa Maria, pra pintar aquelas casas, e principalmente pra olhar nos olhos da Cibele, do Mineiro, do Alex e do David, e passar todo amor e carinho que eu não consegui nesse final de semana. Passar confiança, passar esperança, mostrar que eu enxergo eles, que eles existem, que são pessoas, semelhantes a mim.

sábado, 24 de julho de 2010

Hallelujah (Dani)

Quando li a entrevista, mais que sentir agonia por estar no centro da discussão e pressão para fazer alguma coisa, o que mais me alegrou foi a sensação de não saber nada e por isso fazer perguntas idiotas que podem dar soluções interessantes.

Olhos de criança. Seja para descobrir uma canção, encontrar um novo amigo no meio da madrugada que te dá forças e não finge que não existe medo, seja para ver um desenho de flor sendo feito, seja pra chamar a namorada por apelidos carinhosos em um blog, perguntar sobre salsas picantes. E também serve pra descobrir coisas novas em arquitetura, de quebra.

Crianças não tem medo e não tem vergonha de perguntar. E creio que sempre tem tanto a perguntar justamente por isso. Descobrir, descobrir, descobrir. Acho que esse é meu verbo, afinal de contas.

Seja lá o que for, descobrir é o essencial. Descobrir as pessoas, as cores, os materiais, a história, a construção, o novo projetar, os lugares, os sentimentos, sabores, emoções novas, músicas, abraços e beijos diferentes, todo um universo dentro de cada coisinha. Sim, usei um diminutivo porque me encantou o jeito que o menino falava da sua namorada... =)

quarta-feira, 21 de julho de 2010

"He was a gay stripper" (Lígia)

Ontem fui dormir com uma sensação esquisita, ir no envio e não sair de lá em direção a um dos ônibus da Haddock Lobo foi muito estranho. Acordei várias vezes à noite, acordei suando, aquele desconforto absurdo e quando tocou o despertador eu não consegui acreditar! Eu não tenho dormido tarde, mas eu to acordando tantas vezes no meio da noite, com um sono agitado e sonhos bizarros sobre raspadinhas de melancia que me fazem acordar naquele semi desespero de "nãoo acrediiiito que já tenho que levantar" e eu quase nunca tenho problemas pra acordar, quase sempre acordo fácil e bem!
Bom, levantei e fui pro banho, isso já ajuda um pouco, vai entender, mas acabo ficando mais bem humorada conforme vai rolando o banho, olhei pela janela, não é que tá calor mesmo, caramba! Vai dar pra colocar uma blusa de manga e um casaquinho super leve, que sol bonito.
Chegando no metro, peguei o ipod e pensei, hummm o que ouvir? Tá admito que ter visto a Julia ontem e conversado com ela, o que obviamente acabou em conversar sobre Beatles me fez rolar a barrinha pro T (sim, meu ipod é bizarro e conta o artigo como letra!). Quando eu percebi eu tava cantando, chacoalhando meu corpo e rindo feliz da vida! Hahahahaha E não dá pra explicar o que Beatles faz comigo, mas eu fico tão feliz quando escuto, como mais nada me deixa. Tem dias que eu preciso ouvir certas coisas e to na vibe de outras bandas, mas é incrível, começou a tocar Paperback Writer e eu já começo a rir com "It's a dirty story of a dirty man and his clinging wife doesn't understand" hahahaha adoro essa frase, e com o "Frère Jaques" de fundo bizarro que a gente descobriu enquanto tocava o Rock Band dos Beatles. E daí é uma felicidade que não tem volta, eu já vou procurando as músicas mais felizes e aquilo vai crescendo, crescendo e crescendo!

"The Magical Mystery Tour Is hoping to take you away. Hoping to take you awaaaaaaaaay"

Eu sei que às vezes eu posso cansar, como os outros Beatlesmaníacos, mas é uma coisa tão foda de explicar, que é muito legal conseguir compartilhar isso com alguém que entende. E terminar a minha festa de aniversário numa rodinha de violão cantando Beatles com o Alex, o Pedro, o Rô, a Julia, o Guga e o meu Pai explica muita coisa, muito mais do que se eu escrever um texto de mil páginas aqui!

"I'm painting my room in a colourful way, and when my mind is wandering…there I will gooooo, hey hey hey"

Lembro de um dia que fui pra FAU ouvindo Beatles e quando cheguei o Heitor perguntou "Caramba, que bom humor é esse? Olha esse sorriso!" e eu falei "É que eu vim ouvindo Beatles!", e ele "Então faz isso sempre, porque você tá com a cara muito boa!" hahahaha! E eu percebi que eu fico até mais gentil no trânsito se eu tô ouvindo algum cd dos Beatles enquanto dirijo, eu dou muito mais passagem! É bizarro e engraçado, mas é verdade, as músicas exalam amor e compreensão, e quando você vê, já foi dominado por esse sentimento bom!

"Lovely Rita, meter maid, may I inquire discreetly, when are you free to take some tea with meeeee"

Beatles é universal e atemporal! As mesmas músicas que fizeram meus pais se emocionarem, se apaixonarem, viver coisas incríveis, dividir sentimento entre amigos e amores, as mesmas músicas, fazem, hoje, 40 anos depois, eu me sentir do mesmo jeito, me emocionar, me apaixonar, dividir com meu amigos e com o meu amor, e me fazem feliz, me fazem tão feliz que me fazem uma pessoa melhor! Eu falo deles, de cada um, como se conhecesse eles, porque eu compartilho tantos sentimentos, tantas verdades, acredito no que eles dizem, na mensagem que eles quiseram passar (e ainda passam) pro mundo, que é como se nós fizéssemos parte de uma coisa maior.
E eu sei que todo fã dos Beatles se sente assim, parte de um todo.

"And in the end, the love you take is equal to the love you make"

sábado, 17 de julho de 2010

4 meses é realmente pouco! (Dani)

Quando a gente conversava por email você me parecia tão formal! Pensava que era alguém, sei lá, do alto dos seus 30 anos, me "saludando cordialmente". E eu estava tão preocupada com a viagem, e em ter um lugar pra ficar, que não me importei muito.
Quando cheguei no Chile te odiei meio de cara, como assim você não foi no aeroporto e eu fiquei sozinha às três da manhã num país onde eu nem sabia o idioma??? No dia seguinte descansei, arrumei minhas coisas e saí pra te conhecer. E aí de repente o senhor era um cara gente boa com a voz grossa e que falava devagar comigo, pra que eu entendesse.

Eu lembro que nesse dia eu sentei do seu lado na casa da Marisol porque você era o único que falava mais devagar comigo, poxa! Espanhol e português NÃO são o mesmo idioma! Senti uma simpatia, algo mais como uma confiança. Durante a semana a gente se encontrou algumas vezes, até que um dia você me levou pra tomar cerveja e eu tava tentando aprender a falar e a gente se confundiu com a palavra rato e ficou um clima meio estranho, demos risada e ok... E quando você me levou até em casa, quando me mostrou a oficina, quando preparamos macarrão e eu soube dos conselhos do seu pai, tudo ficou meio estranho.

Até a hora que você apareceu na cozinha com um presente pra mim, tão coqueto, uma pulseira da Colômbia e eu te mandei uma mensagem pra agradecer. E seis dias depois da minha chegada, enquanto a gente dançava forró, você resolveu me dizer todas as coisas que passavam na sua cabeça e foi tão atordoante que eu precisava de uma cerveja. Porque ninguém nunca tinha sido tão franco e dito com todas as letras o que queria dizer, porque afinal de contas se pode morrer amanhã. E ninguém nunca tinha me dito isso em seis dias!

E no dia seguinte naquela salsa naquele lugar horrível com mulheres gigantes e feias você era a única pessoa com quem eu queria dançar, a única com quem eu queria conversar e ao mesmo tempo tinha tanta vergonha. E ah, tá bom, foi um beijo, não vou casar com ele, relaxa.

E seu beijo não foi só seu beijo, é também o conjunto de conversas mais interessantes, de momentos mais divertidos, de lágrimas nos olhos quando penso que vou embora, de nomes broxantes só pra me irritar, de manhãs preguiçosas falando de nada, de acordar os meninos com as minhas gargalhadas, de idas ao mercado cantado e dançando, de construções onde você dorme segurando a minha mão e eu tentei soltar pra ir no banheiro e você só soltou quando acordou, de bebedeiras absurdas tomando rum, de conversas sem sentido no gtalk, o seu beijo de manhã quando sai pra trabalhar e eu tô dormindo, as confusões entre português e espanhol que a gente faz quando conversa.

Quando eu cheguei aqui eu não pensava em estar com ninguém, como assim você não está mais solteira??? Eu queria estudar, ver arquitetura e trabalhar no teto. Queria voltar na semana dos aniversários. Quando você me escrever seu primeiro "hola como estas" eu não sabia que isso ia chegar aqui.

E depois de quatro meses, não me importa se vou pro Brasil, não me importa se tenho duas semanas aqui, "mas as bodas de diamante passaram pelos 4 meses", não me importa nada disso, quatro meses é tão pouco!

Ai caramba (Dani)

Digamos que minha falta de inspiração nunca foi tanta, mas ok. Me sinto bloqueada faz umas longas semanas já e sinto que quanto menos escrevo, menos vontade tenho de escrever e isso nunca tinha me acontecido. Então como um esforço de vida, considerando o fato de que não saí hoje e estou sozinha em casa, vamos lá.

Faltam duas semanas pra voltar pra casa! Parece meio estranho, vai ser absurdamente estranho ligar meu celular quando chegar em São Paulo e ser meu cinzinha com toque de reguero de sempre e não meu trambolhinho vermelho que tenho aqui... Estranho não ter mais janelas/varandas com vistas amplas e bonitas, não ter mais folhas canadenses amareladas pelo inverno.

Me sinto num stand-by esses ultimos dias, desde que começaram as férias da faculdade. De repente muitas coisas aconteceram no Brasil, e minha realidade, minhas pessoas me chamam... E que faço com as minhas pessoas daqui? Não quero muito pensar nisso.

Eu escrevi uma vez aqui que queria tirar um semestre pra mim, queria vir pro Chile. Me sinto com um check, missão cumprida. Pensei muito, conheci muitas coisas, pessoas e tudo. Defini algumas coisas, me desapeguei de muitas. Aprendi a cozinhar UM POUCO, mas falta muito pros hábitos saudáveis que eu me planejei. Descobri a minha não vocação pro frio, que me faz querer estar todo o tempo debaixo de vinte cobertores.

Não sei até que ponto tudo isso me mudou e quanto isso vai me afetar quando chegar em casa... E não sei mais o que posso chamar de casa, me sinto meio homeless, querendo um lugar pra chamar de meu. Mas bate uma expectativa, uma ansiedade e uma sensação de que tenho muito pra fazer lá, na minha "vida real". Me sinto como uma atriz nos bastidores, sinto esses últimos dias como um grande suspiro antes de entrar.

E aí penso no tanto que fiz aqui, no tanto que aprendi e quero muito compartilhar isso com todo mundo. Não sei como ainda, mas tem tempo... Quero saber quem sou eu no meio de tudo isso, depois de tudo isso.

Aleatório assim mesmo.