Ontem acordei muito feliz, apesar de tudo! O fim de semana foi intenso, com muitos sentimentos e pensamentos misturados! Não saber o que se deve sentir, o que se deve pensar e como se deve agir! É muito mais fácil agora perceber tudo, mas na hora, no cansaço, no sufoco, dentro daquele terreno de 5x5m que sugava a energia, foi difícil pensar claramente! Realmente as famílias que mais precisam são as mais difíceis de ajudar. Uma das coisas mais fodas do teto é a relação e o elo que se cria entre a família e a equipe, isso é o que faz tudo ter sentido, é a razão de tanto suor, de tanta força de tanta energia, de tanta felicidade e de tanto amor.
É você, em 2 ou 3 ou 5 dias se identificar com pessoas que no seu dia-a-dia passam despercebidas, é você querer muito que elas tenham de verdade uma chance, que elas consigam viver melhor, com um pouco mais de dignidade, é devolver a auto estima para aquelas pessoas tão sofridas. E o discurso do Mau no envio do sábado só reforçou isso! Como nós precisamos olhar pras pessoas e simplesmente enxergar o humano que está lá, o nosso semelhante, independente do sistema, ver a pessoa, a essência humana que ali existe, e compartilhar amor com aquela pessoa. Eu saí da escola com a maior certeza do mundo no trabalho do teto! E quando eu entrei naquele terreno, com pilotis tão difíceis por causa da água que teimava em aparecer, eu simplesmente não consegui manter essa força, esse amor. O cheiro de álcool, as frases sem sentido, e ele não conseguir lembrar de jeito nenhum o nome dos voluntários da equipe deixavam tudo mais escuro. A equipe tava cansada, alguns tinham problemas reais que dificultavam ainda mais a relação com a família, tava todo mundo abalado emocionalmente. E mais do que isso, era uma coisa de energia mesmo, você entrava ali e alguma coisa te colocava pra baixo, na hora! Era difícil trabalhar, era difícil manter a alegria, a calma, era difícil respirar! E como aquela era a equipe mais atrasada das casas que eu tava tomando conta eu fiquei lá dentro quase o tempo todo.
E aquilo foi me consumindo, consumindo e era muito difícil! Fiquei com dúvidas do trabalho do teto, se porque tínhamos que construir 100 casas nós tínhamos designado sem cuidado, com pressa, com pressão! Nunca eu tinha me sentido assim com uma família numa construção, nunca! E uma coisa que eu percebi muito foi que eu só tinha construído 1 casa para uma família que tivesse um homem, todas as outras foram para mulheres, batalhadoras, sozinhas, com filhos pra cuidar, Cidora, Maria, Dona Hilda e Dona Edileuza, mulheres incríveis, mulheres fortes. Só tinha construído para o Patrício e pra Marines, só que o Patrício tem 26 anos e a Marines 18, eles podiam ser meus amigos, foi muito mais fácil de me identificar com eles, sem contar a força absurda do Patrício, a garra, a vontade, tudo que me fez admirar tanto aquele homem.
E de repente vem o Mineiro, um homem de mais de 40 anos e alcoólatra, e a Cibele com 40, muito submissa a ele. E eu percebi que talvez eu tenha dificuldade de lidar com essa coisa do homem autoritário, grosso, e o jeito que eu tava conseguindo lidar com aquilo foi batendo de frente, mandando, "colocando o pau na mesa", porque eu não consegui contornar ele de outra maneira, e eu percebi que eu fui excluindo ele da construção da própria casa. Foi uma dificuldade minha, que pensando agora faz muito sentido. Eu tenho muita dificuldade de lidar com essa relação que ainda existe no mundo, do homem ser O homem, e a mulher simplesmente não ter forças pra se separar dele. Como a Cibele consegue aguentar? Talvez ela não tenha nada, talvez esse seja o único jeito de sobreviver. Sozinha ela não conseguiria, então eles se juntam pra tentar viver mais um dia. É muito foda aceitar que isso existe!
Conversando com a Chu no gtalk e com a Dani Marques no almoço do trabalho eu tentei buscar uma opinião externa pra me ajudar a esclarecer o que eu deveria sentir com relação a essa família. E eu cheguei à conclusão de que não, não vão existir só famílias incríveis e pessoas maravilhosas no nosso caminho, como em qualquer lugar do mundo, e que essas famílias, mais desestruturadas, mais complicadas são as que mais precisam da nossa ajuda, do nosso amor, da nossa energia, da nossa força, da nossa atenção e do nosso carinho. São as que mais precisam da auto estima de volta, da possibilidade de esperança de novo, daquele brilho que a casa pode trazer de volta. E por mais difícil que seja é a hora de sermos o elo mais forte, de conseguir passar ainda mais amor e mais esperança! São pra essas famílias que a casa pode ser a maior mudança, que pode devolver alguma coisa perdida há tanto tempo! Na hora é difícil, são tantos sentimentos misturados, mas agora eu percebo o aprendizado maravilhoso que eu vivi nesse final de semana, e como eu tenho que me fortalecer ainda mais para poder ajudar quem mais precisa. Não é porque o cara é alcoólatra que ele não merece um lugar digno pra viver. Não dá pra julgar uma pessoa que trabalha sei lá eu quantas horas por dia, pega milhões de condução todo dia e volta para uma casa tão ruim, com goteira, com umidade, pequena, sem saneamento básico e sem tantas outras coisas necessárias para uma casa ser chamada de lar.
Eu quero muito voltar pro Santa Maria, pra pintar aquelas casas, e principalmente pra olhar nos olhos da Cibele, do Mineiro, do Alex e do David, e passar todo amor e carinho que eu não consegui nesse final de semana. Passar confiança, passar esperança, mostrar que eu enxergo eles, que eles existem, que são pessoas, semelhantes a mim.
New Life Love York
Há 10 anos